quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A geladeira da nonna

Por Daniella Bittencourt Féder


A primeira coisa que se vê ao entrar na cozinha são os bilhetes de parente e amigos colados com fita crepe na lateral da geladeira. O recado mais antigo que pude ler leva a data de 1998; mas há um outro que está lá há muito mais, com a escrita já apagada pela ação do tempo. Dos vinte e três ímãs grudados na porta dela, dez são de pizzarias ou casas de massas.

O refrigerador Prosdócimo foi presente do pai de Rose Marie Sampaio Féder, 74, a ela e o marido, João Féder, 80. Rose Marie é descendente de italianos e, João, de libaneses. Para os netos (é o meu caso), eles são somente nonna e nonno.

Rose Marie recebeu o mesmo nome do filme de 1936, estrelado por Nelson Eddy e Jeannette MacDonald. O filme também foi lançado no ano de nascimento da minha Rose Marie. A mãe assistiu, gostou e deu o nome à filha. Mesmo sendo neta, nonna só me contou isso quando eu estava colhendo informações para esta matéria.

João Féder – o sobrenome original, em libanês, é “Fadda” – é um consagrado jornalista. Teve participação importante na história do jornalismo paranaense. Criou jornais e emissoras de rádio e tevê.

O interior da Prosdócimo abriga a dieta do casal: frutas, verduras, iogurtes, sucos, pães – dos integrais ao sírio – e uma pequena variedade de queijos franceses. Rose Marie não descuida. Todas as noites põe à mesa um farto lanche no qual não podem faltar estes ingredientes – e em especial as frutas. A quantidade de Yakults salta à vista, mas tem explicação: o marido toma um por dia.

Eles estão de mudança, mas não pensam em trocar de geladeira. “Ela deve ter uns trinta e cinco anos, e só falhou uma vez”. A senhora conta que a dita cuja resolveu não funcionar justamente em um almoço no qual o casal recebia bons convidados. Era costume: “o jantar de Natal era servido na casa do Paulo [Pimentel], e o almoço do dia primeiro era sempre na nossa”. A sorte foi que a geladeira antiga ainda habitava a casa.

O vizinho da Prosdócimo é também presente de um familiar. Mas este, de um tio: Um freezer Electrolux, datado da época em que freezers eram uma curiosa novidade no Brasil. Rose conta que ele fez sucesso com as visitas quando chegou em casa.Tamanho era o abre-fecha das portas do eletrodoméstico que os alimentos mal se congelavam. Isso justifica o adesivo colado na porta, com o pedido “por favor, não abra”.



quinta-feira, 9 de setembro de 2010

A culpa é do divórcio

Por Daniella Bittencourt Féder



Qual é o momento para dar fim a um casamento? Foi refletindo sobre o divórcio de seus pais que o americano Noah Baumbauch escreveu e dirigiu seu quarto filme, A Lula e a Baleia (The Squid and the Whale) – lançado em 2005 -, criando um misto de ficção e crítica à própria realidade.

Na Nova York de 1986, Walt (Jessie Eisenberg), 16 anos e Frank (Owen Kline), 12, são filhos de uma tradicional família americana. Quando Bernard (Jeff Daniels), um escritor que não aceita a evasão do sucesso e Joan (Laura Linelly), escritora que está começando a ser reconhecida, decidem-se pela separação, seus dois filhos desnorteiam-se e passam a participar de uma disputa entre os pais, que envolve as glórias das carreiras profissionais dos pais e a guarda dos dois filhos.


Publiquei este release em maio de 2009 no portal E-Vodka. Estou republicando aqui incitada pela exibição do filme (com áudio original, em inglês, e legendas em português) no canal AXN. Vale a pena - conflitos familiares sempre valem a pena!

sábado, 4 de setembro de 2010

Barbeador elétrico é pura falta de personalidade

Por Daniella Bittencourt Féder


Ele é barbeiro desde cedo, tem a profissão como prioridade, e não hesita em mostrar aos clientes que, no que depender dele, a atividade é tradicional e única o suficiente para não acabar.


Ela passa quase despercebida pela movimentada Rua Presidente Carlos Cavalcanti, no bairro São Francisco. Não fosse a placa - luminosa, à noite -, que já se denuncia bem vivida, Curitiba esconderia bem a tradicional e popular Barbearia Oásis. Um cubículo quarentão (com 46 anos de idade, para curiosidade da precisão) que é ponto de encontro de barbudos e cabeludos, carecas que querem bem tratar os poucos fios de cabelo que lhes restam, amantes do futebol e homens de todo o tipo. São muitos os clientes de Silvino Tafner, dono e único barbeiro do pequeno estabelecimento. Porém, com a memória apurada, ele faz questão de conhecer todos. Mesmo eu, a moça que sou, tenho o prazer de ser recebida com muito carisma e simpatia quando acompanho o avô, pai, irmão ou namorado – que vem da cidade de São Paulo somente para se render à arte quase esquecida das mãos do barbeiro. Ele fala baixinho, e diz que é tímido. Mas tem a freguesia com muita amizade.

Seu Silvino, como é conhecido, é neto de italianos, e explica que Tafner é sobrenome de origem germânica. Uma confusão da colonização: parece que os alemães eram maioria populacional em certa região da Itália. Ele nasceu em Santa Catarina, onde trabalhou seus dois primeiros anos na arte, quando ainda não era quase esquecida. “Sou barbeiro há 48 anos; 46 em Curitiba e 16 neste endereço. Sou barbeiro [frisa, orgulhoso], não sou como os cabeleireiros destes salões de hoje”. A profissão é mesmo uma paixão, trabalhada com muita seriedade, técnica e perfeccionismo pelas mãos dele, que abrem as portas da Barbearia Oásis de segunda a segunda. Brinca: “fico aqui até de madrugada, se for preciso”. Ora essa, o trabalho é absolutamente necessário. Quem mais pagaria as contas e a faculdade do filho? Quando questionado sobre a situação financeira, ele novamente descontrai: diz que já é rico, e apenas falta tempo para gastar todo o dinheiro. Ah, aos domingos, meu personagem fecha o negócio cedo. Gosta de passar o dia na praia, num pesque-pague... E o futebol é sagrado.

Vez ou outra, entre este corte e aquele, algum cliente faz o serviço delivery. Se você por acaso estiver indo àquele restaurante, anote o pedido: “Por favor, peça à cozinheira para que me prepare um frango assado. Ela sabe como eu gosto”. Mesmo no sábado, quando a barbearia recebe mais barbas e cabelos do que comporta, o local vira ponto de encontro. Tem gente que faz uma visita somente para bater um papo ou discutir sobre algum assunto do jornal de hoje, enquanto o lê ali mesmo – como anda violenta essa cidade! Assim que começa a anoitecer, meu barbeiro fecha as portas de vidro. Mas é somente por segurança; o trabalho não para antes das nove. Religiosamente.

As cadeiras são duas relíquias, antigas e muito preservadas. São de quando ferro maciço era moldado e desenhado à mão – elas ilustram essa época. Foram garimpadas em São Paulo e trazidas com muito cuidado para cá. Alguma delas deve estar fazendo 100 anos agora, em 2010. Acho que a da direita, a do fundinho, é a mais confortável para trabalhar. Guardo a sensação de que a outra não é a preferida, mas é só uma impressão.


Ora essa, o trabalho é absolutamente necessário.