terça-feira, 13 de abril de 2010

Prenda-me se for capaz

Por Daniella Bittencourt Féder


A mão-de-obra escrava ainda não teve fim no Brasil, e hoje funciona diferente de como era no Brasil colonial - é o trabalho escravo contemporâneo


Em 13 de maio de 1888 foi assinada, pela Princesa Izabel, a Lei Áurea, que proibiu a escravatura no Brasil. Apesar da lei estar em vigor, a realidade brasileira ainda se depara com campos onde há a prática clandestina da escravidão.

No Paraná, a Comissão Pastoral da Terra registrou, em 2009, 227 trabalhadores sujeitos ao regime escravo, e 391 no ano de 2008, e garante que todos já foram libertados. Segundo ela, o que se observa da escravidão contemporânea – ou moderna – é que ela tem início com uma proposta verbal do pagamento de alguma dívida em forma de prestação de serviços. Após uma negociação ilusória (porém atraente) sobre as condições de trabalho e remuneração, que costuma envolver um adiantamento em dinheiro para a família do aliciado, ele segue viagem para o isolado local de trabalho, sem transporte e alimentação pagos. Chegando ao estabelecimento, vigora o “sistema de barracão”, no qual o peão tem o salário convertido em “vales” para pagar as refeições, ferramentas de trabalho e demais objetos a preços exorbitantes. Como a dívida inicial não cessa em aumentar, a vítima fica detida no local, com documentos apreendidos. A CPT conta que, em casos extremos, há vigias armados e pistoleiros que impedem a fuga, maus tratos, punições, ameaças, alimentação insuficiente, condições de vida fracas e carga horária pesada com afazeres excessivos. Como também não há cuidados médicos, os serviçais muitas vezes permanecem doentes e machucados – nos canaviais, não são raros os casos em que os peões acabam por amputar partes do próprio corpo, devido às precárias condições de trabalho.

Como começou

No início do Brasil Colônia, os portugueses que chegavam ao país e se viam sem mão de obra para a realização de trabalhos recorriam, inicialmente, à exploração do trabalho indígena, que era recompensado com a troca de mercadorias. Os índios conheciam bem o local onde habitavam, tinham facilidade de se movimentar pela floresta e grande força física, o que fazia com que os portugueses lhes solicitassem, principalmente, transporte de carga, mostra o livro História e Ética do Trabalho no Brasil, do filósofo e sociólogo Paulo Sérgio do Carmo. Progressivamente, a prática desse abuso passou a ser convertida em regime de escravidão, e logo foi duramente combatido pelos Jesuítas, que pregavam a preservação da “pureza” dos índios. Foi então que começou o livre comércio de homens e mulheres africanos. O professor de história Hermenegildo Pereira Jr. explica que o tráfico de escravos era elemento importante na acumulação do capital, que eles representavam uma mercadoria e eram utilizados para qualquer tipo de serviço, sendo considerados “mãos e pés do senhor do engenho”. O livro Casa Grande e Senzala, de autoria do sociólogo e antropólogo Gilberto Freyre, destina um capítulo somente para a discussão da vida sexual dos escravos. “No livro, há histórias incríveis de ciúmes de ‘sinhazinha’ que mandou extrair os dentes de uma mucama (escrava doméstica) porque percebera que seu marido estava tendo um caso”, comenta o professor.

Sobre a Lei Áurea, Pereira diz que foi uma medida política que não causou grande crise econômica, pois os imigrantes já substituíam, aos poucos, a antiga mão- de- obra, e que não houve qualquer espécie de amparo ao ex-escravo para ingressar no mercado de trabalho – diferente do que acontece hoje, com o trabalho da CPT.

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